sexta-feira, 3 de novembro de 2017

The Woman Who Knew Too Much - Inês André

Cinema Sem Lei: Qual é o teu filme favorito?
Inês André: Muito complicado... Acho o reportório do Miyazaki completamente imaculado, e por isso todos os filmes dele para mim, como o Howl's Moving Castle, Spirited Away, Totoro ou a Princesa Mononoke são obras-primas. Fora da animação, filmes como Little Miss Sunshine, Oldboy (original), Buffalo '66 ou o 2001 são grandes obras de arte também! Mas consigo estar aqui até amanhã a dizer-te mais filmes que são autênticos monstros cinematográficos. Sinto que estou a deixar muitos de fora.

CSL: O que te liga ao cinema? De onde surgiu esse interesse?
IA: Sempre esteve muito presente em minha casa, desde pequena que ver filmes em VHS era das minhas coisas preferidas (ainda é). Mas é curioso porque a minha irmã mais velha sempre gostou muito de cinema independente, e inicialmente eu era um bocado alérgica e gozava com essa faceta mais intelectual tipo "esses filmes são uma seca, não se passa nada" mas depois ela foi me mostrando alguns e mudei completamente de opinião. Aprendi a gostar e a apreciar e isso fez com que eu própria me "educasse" cada vez mais a esse respeito. Hoje sou uma verdadeira aficionada.
O que me liga ao cinema... Sou uma pessoa sensível, no sentido em que gosto de pensar e reflectir sobre a vida, constantemente. E o cinema não só me ajuda a chegar a algumas conclusões, como também me dá nova matéria para processar. Sinto-me compreendida quando vejo um filme que me deixa arrepiada. É uma ligação muito humana.

CSL: Lembras-te de algum filme que tenha ficado marcado? Desses da tua irmã.
IA: Sim! Um deles foi o Little Miss Sunshine. Vi uma vez e achei brilhantemente simples. Acho que é na simplicidade que encontramos a plenitude. Passou a ser daqueles filmes que por mais vezes que veja, e já vi e revi muitas vezes, aprendo sempre e nunca me farto. Acho que isso pode ser dos melhores elogios que podes fazer a um filme.

Little Miss Sunchine (2006) - Jonathan Dayton, Valerie Faris

CSL: Quando estudamos cultura e arte, o cinema tem um capítulo muito pequeno (às vezes nulo). Numa arte que tem mais de cem anos - mesmo sendo a mais jovem - não devia ser já uma fonte de ensino e conhecimento e não um ponto no meio do oceano?
IA: Sim, devia. Posso dar o exemplo que no secundário, nas minhas aulas de Filosofia, visualizamos muitas vezes filmes para ajudar a perceber pontos da matéria. Acho que devia haver mais exemplos como este, porque também ajudam ao teu crescimento intelectual. Mas é difícil, porque implica uma mudança de mentalidade. A maioria das pessoas não se interessa por cinema, interessa-se por entretenimento. Lembro-me de na faculdade um professor que eu tinha, que era um autêntico cinéfilo, passar o excerto das Valquírias do Apocalypse Now a título exemplificativo de alguma coisa e as reacções da turma eram "mas eu pago propinas para ver aviõezinhos?".  Cada um gosta do que gosta, mas há muito mais pré-disposição para encarar os filmes e procurar por filmes para passar tempo do que para encará-los como peças de arte, como instrução... É preciso sensibilidade, e não há muita. Mas talvez se a aprendizagem começasse cedo, as coisas poderiam ser diferentes.

CSL: Então consideras que a maioria vê os filmes para "desligar" o cérebro e não como fonte de informação?
IA: Sim, completamente. O que não quer dizer que não veja filmes para passar tempo e que não puxem tanto pela cabeça. Há muitos bons filmes que eu adoro desse género. Não sou nenhuma intelectualóide. Mas é óbvio que as pessoas preferem o fácil e simples, estão a ser habituadas a isso... Se tu fores hoje a um cinema mais popular reparas que 90 ou 70% são remakes, prequelas ou sequelas... É dinheiro fácil e não tens muito trabalho em ter ideias novas. É só reciclar com ou sem propósito. Ate nisto vês o estado do cinema. Entretenimento está na ordem do dia, acima de qualquer valor. O que se passa hoje é exactamente aquilo que o Vargas Llosa diz no A Civilização do Espectáculo. Ócio acima de tudo em detrimento de qualquer coisa que te faça pensar minimamente.

CSL: Pegando nos remakes. Porque se fazem? Consideras que os realizadores e produtores acreditam mesmo que vão conseguir fazer melhor ou simplesmente querem aproveitar o sucesso do original?
IA: Regra geral acho que a resposta é dinheiro fácil. Eu irrito-me facilmente com esta moda do remake e sequela, primeiro porque na maioria das vezes não fazem sentido e mexem numa história que estava bem acabada. Porquê um Trainspotting 2? Já para não falar do absurdo que é um Fight Club 2. É frustrante. 
Descobriram a galinha dos ovos d'ouro, o pessoal gosta da nostalgia, e faça ou não sentido é sempre giro rever. Já chego a acreditar que para além do dinheiro haja uma crise de criatividade... Será que não há ideias novas ou é preguiça de as ter? Irrita-me também porque sinto que muitas vezes estes remakes vêm desvalorizar o culto que havia em volta de alguns filmes. Eu adoro animação japonesa e sinto-me ofendida pelo que fizeram ao Ghost in the Shell ou ao Death Note. Não os vi (os novos), mas não fazia sentido. Para quê? Só se for para arruinar.
Mas há aqueles que conseguem fazer um bom trabalho. O Villeneuve acertou em cheio no novo Blade Runner. Mas esse considero um caso à parte. Deixa sempre aquela sensação do objectivo de fazer dinheiro fácil. Prefiro ideias novas!

CSL: Dizem que as histórias já foram todas contadas, só muda a maneira de as contar. Concordas?
IA: Nada. Se há coisa que não estagna são as ideias. Por alguma razão é que nesta onda de inteligência artificial a única coisa que fica ainda inconcebível é a criatividade! 
Tens sempre influências de realizadores para realizadores. Nos anos 70 e 80 estavas a fazer coisas nunca antes feitas, Kubrick é um génio por isso. Teve sorte em vir cedo. Agora tens realizadores que aproveitam a escola dele, mas incorporam em novas ideias. Acho natural. Na altura do Revenant estavam a insinuar que o Iñarritu tinha ido buscar a técnica toda ao Tarkovsky. E o que tem? Acho que é uma grande maneira de agradecer e prestar respeito. A ideia não era a mesma. O Wes Anderson também não é o génio por detrás dos planos simétricos, já existiram muitos a fazer antes dele. Mas criou com elementos muitos específicos um estilo próprio a partir daí.
As histórias são infinitas, pela conteúdo e pela forma como são contadas. É preciso é ter vontade de as criar e levá-las a sério. Até acho mais que a maneira de as contar é que pode ser repetitiva, mas nunca o conteúdo. As técnicas ou planos repetem-se. E faz sentido que assim seja.

CSL: Se tivesses oportunidade de trabalhar para o cinema, em que área gostavas de trabalhar?
IA: Animação, escrever histórias. E se um dia dominar o desenho também gostava de entrar nessa parte. Mas quero muito trabalhar em animação, mesmo não sendo da área de cinema...

CSL: Um estágio no estúdio Ghibli seria o sonho?
IA: Completamente. Não queria mais nada. Não me importava de trabalhar num estúdio de animação qualquer, mas claro que a Ghibli é o expoente máximo dessa vontade.



CSL: Miyazaki e Joe Hisaishi são uma dupla de sucesso. Que outras duplas do cinema gostas?
IA: Morricone com o Leone... Tarantino com o Rodriguez também fazem coisas engraçadas. Os irmãos Nolan também trabalham bem. Não me estou a lembrar de outros. Mas de certeza que há outras boas amizades. A velha guarda italiana também se ajudava uns aos outros. E fazia coisas muito giras.

CSL: Sugeres algum filme italiano da velha guarda?
IA: Confesso que ainda não vi tantos quanto gostava. Mas o Fellini Oito e Meio é grande filme. E claro os obrigatórios: Cinema Paraíso e A Vida é Bela. Gostava que o próximo a ver fosse o Ladrões de Bicicletas. O Feios Porcos e Maus também é muito bom. É sempre difícil escolher um.

CSL: Sugiro também o Umberto D.. Há algum género que não gostes particularmente?
IA: Obrigada! Fica na watchlist. Acho que não. Não tenho nenhuma alergia aos géneros, gostar ou não vai sempre depender do filme em si. Tanto gosto de um bom filme de animação, como bons filmes de drama ou gore... Mas não gosto de filmes do Adam Sandler, do Ben Stiller ou do James Franco

CSL: Para finalizar, escolhe:
- um filme que te emocionou;
- um que te fez rir;
- um que mudou a tua vida;
- um que vale a pena rever todos os anos;
IA: - The Kingdom of Dreams and Madness
- Borat
- Blue Velvet
- Senhor dos Anéis

Inês André
23 anos
A tirar mestrado em Publicidade e Marketing





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