terça-feira, 28 de novembro de 2017

Review: A Christmas Story (1983)

A Christmas Story (1983)


Quando era criança brincava inúmeras vezes aos polícias e ladrões. Usava como arma uma pistola estragada do jogo Duck Hunt à qual tinha cortado o fio. Parecia verdadeira e eu, quase sempre como ladrão, lá corria e escondia pelos cantos da minha casa ou na casa dos amigos. Isto éramos nós, em Portugal, que fazíamos "pum pum" com a boca para simular um tiro. Sabíamos da consequência deles porque volta e meia víamos um filme americano onde nos mostravam isso. Mas não era a nossa realidade. Em Portugal, felizmente não há guerra e os casos de polícia raramente envolvem tiroteios. Já nos Estados Unidos a história muda de figura.

A Christmas Story é um filme para a família. Decorre num Natal da década de 40, mas podia ser no aniversário do nosso protagonista, o Ralphie (Peter Billingsley). O sonho e objectivo do Ralphie é ter uma arma e para isso tem de convencer os pais, a professora e o Pai Natal que esta seria a prenda ideal. Haverá sonho mais republicano?

O miúdo é de facto adorável. Está constantemente a sonhar acordado. Ora que os pais ficarão eternamente agradecidos porque salvou a casa dos ladrões graças à arma, ora porque a inspiração para uma composição sobre o que querem receber no Natal foi tanta que a professora ficará maravilhada com a sua e nunca mais pedirá para escrever nada. Todo o filme é acompanhado pela voz do já adulto Ralphie (voz de Jean Sheperd) um pouco à semelhança da série Conta-me Como Foi.

Como bom filme familiar, todas as situações são exageradas e as interpretações meras caricaturas. Excepção para o momento do feitiço contra o feiticeiro entre Ralphie e Scut Farkus (Zack Ward). Finalmente uma coisa bem conseguida.  

Talvez tenha visto o filme já demasiado adulto e responsável e não tenha gostado da premissa deste  clássico americano. Provavelmente se o tivesse visto em criança também iria querer uma Red Ryder B.B. gun. E aqui é que está o problema.

5/10


segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Review: Das Boot (1981)

Das Boot (1981)

Mais do que um filme, ver Das Boot é uma autêntica experiência que recomendo. A não ser que sejam claustrofóbicos.

Adaptado de um livro de Lothar H. Buchheim, Wolfgang Petersen, o mesmo realizador de The NeverEnding Story (1984) e Troy (2004), conseguiu trazer para o ecrã um jogo do gato e do rato onde não sabemos quem queremos que seja a presa e o predador.

A narrativa passa-se durante a II Guerra Mundial e vemos a perspectiva alemã. É com eles que vamos para a guerra, o que, à partida, nos faz querer que sejam aniquilados. O filme é todo ele um jogo de contrastes. Se por um lado temos sussurros de quem é contra a guerra, também vemos jovens fervorosos. Alguns ingénuos, outros sedentos de sangue. Outro momento que o mostra é a cena de Natal. Vestidos a preceito e com pratos recheados, a marinha recebe a tripulação do submarino completamente pálida, com barba por fazer e roupa gasta. Segue-se um diálogo de queixume por parte da marinha que quase nos provoca vergonha alheia. Como diz George Orwell em Animal Farm: "All animals are equal, but some animals are more equal than others".

Passamos três horas e vinte e oito minutos (director's cut) numa luta interna entre querer ou não que aqueles alemães, em plena II Guerra Mundial, tenham sucesso. Num filme angustiante, posso até dizer que a dada altura me provocou tédio. Pelo menos até perceber que faz parte da tal experiência que falei no início. Ver um filme tão longo, sempre com as mesmas personagens e limitados ao submarino transportou-me realmente para aquela embarcação.

Jürgen Prochnow e Klaus Wennemann, tal como as suas personagens, comandam o filme muitas vezes apenas com o olhar. Destaque também para o humor sádico do 2nd Lieutenant (Martin Semmelrogge) que nos provoca a nós e especialmente ao correspondente Werner (Herbert Grönemeyer) alguns arrepios.

No oceano, em plena II Guerra Mundial, sendo ou não a favor dela, matas ou morres. Em Das Boot estamos a torcer pelos Nazis ou pelo Homem?

8/10


domingo, 26 de novembro de 2017

Cinema Paraíso - Luís Neiva - Dr. Strangelove (1964)

País: Reino Unido / EUA
Ano: 1964 
Realizado por: Stanley Kubrick 
Argumento: Stanley Kubrick e Terry Southern a partir do romance Red Alert de Peter Georg). Elenco: Peter Sellers, George C. Scott, Sterling Hayden, Keenan Wynn, Slim Pickens, Peter Bull, James Earl Jones e Tracy Reed.

Um psicótico general americano lança um ataque nuclear à Rússia durante a Guerra Fria, ameaçando a vida de toda a humanidade. A razão? Os seus preciosos fluídos corporais.

É esta a premissa sobre a qual Stanley Kubrick constrói Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, um dos mais controversos filmes anti-guerra da História do Cinema. Foi realizado em 1964, numa altura em que o mundo parecia caminhar para a Terceira Guerra Mundial, menos de 20 anos após a queda de Hitler e do Terceiro Reich. Como foi então possível que Kubrick tenha sido capaz de fazer um filme onde a perspectiva de um Apocalipse nuclear fosse encarada com gargalhadas em vez de um ataque generalizado de pânico? Através de um brilhante sentido de ironia.

Desde as pequenas idiossincrasias de cada personagem – um ex-cientista Nazi cujo braço não esqueceu a sua ideologia passada; um patriótico general Americano tão orgulhoso dos seus pilotos que se esquece que o sucesso da sua missão implica o fim do mundo; um soldado que prefere arriscar a segurança nacional a vandalizar uma máquina de Coca Cola; os presidentes de dois países inimigos a falar ao telefone como um casal de adolescentes apaixonados, etc. – até a one-liners como “Gentleman, you can’t fight in here – this is the War Room”, o filme é uma enorme crítica, plena de sarcasmo, à hipocrisia da Guerra e àqueles que acreditam piamente estarem do lado certo do conflito.

Além de tudo isto, existe uma histórica tripla performance de Peter Sellers como Dr. Strangelove, Group Captain Mandrake e Presidente dos EUA – que, aliás, tinha sido testada dois anos antes em Lolita – e ainda grandes interpretações de George C. Scott e Sterling Hayden.

A filmografia de Stanley Kubrick diz-nos que este era um homem que conhecia o que de pior existe em cada ser humano. Sabia que todos tendemos a cometer os mesmos erros vezes sem conta. Na última cena, ouvimos Very Lynn cantar “We’ll meet again”. Poderá existir mais claro aviso?

9/10


terça-feira, 21 de novembro de 2017

Cinema Paraíso - Luís Neiva - The Green Butchers (2003)

De Grønne Slagtere

País: Dinamarca 
Ano: 2003 
Realizador: Anders Thomas Jensen 
Argumento: Anders Thomas Jensen 
Elenco: Nikolaj Lie Kaas, Mads Mikkelsen, Line Kruse, Ole Thestrup, Bodil Jorgensen, Aksel Erhardtsen


De Grønne Slagtere está seguramente entre as comédias mais negras do passado recente do cinema europeu. De facto, é tão negra que há que pensar duas vezes antes de lhe chamar comédia.

Cansados de serem mal tratados pelo seu patrão, dois talhantes – Svend (Mikkelsen) e Bjarne (Lie Kaas) – decidem abrir o seu próprio negócio. No entanto, a dupla não é propriamente popular na cidade e o seu feitio anti-social complica o sucesso do novo talho, até que um acidente os põe na boca do mundo, melhorando radicalmente as suas próprias vidas pessoais.

O mais impressionante em De Grønne Slagtere é o quão facilmente podia ter sido uma autêntica tragédia (no mau sentido). Em vez disso, o resultado final impressiona pela positiva não sendo de todo injusto colocá-lo entre os melhores do género.
Toda a premissa é bastante original, mas perigosa. A distância entre o ridículo e o demasiado dramático neste tipo de histórias é curta, mas Anders Thomas Jensen explora com sucesso o meio termo, contando toda a história de uma forma extremamente realista. É um filme que se leva a sério, mas que jamais abusa do dramatismo para passar uma mensagem.

A esta premissa são adicionados um argumento forte, uma boa banda sonora e uma cinematografia bastante interessante, produzindo uma atmosfera absolutamente asfixiante, moldura que facilita o trabalho dos actores.

E neste particular, mérito a quem o merece: o sucesso deste filme está intimamente ligado ao grande trabalho dos dois protagonistas: Mads Mikkelsen e Nikolaj Lie Kaas. Se o primeiro é já um actor com créditos firmados no cinema europeu – e de certa forma em Hollywood, embora neste caso continue a ser desperdiçado em papéis de vilão com muito pouco conteúdo – e que conta com perfomances fantásticas em filmes como Jagten ou Valhalla Rising, Lie Kaas revelouse uma muito agradável surpresa.
A dupla faz jus ao realismo proposto por Jensen e o resultado são duas personagens extremamente sólidas e credíveis que practicamente carregam o restante elenco às costas.
De Grønne Slagtere não é um filme para qualquer pessoa. É pesado, perverso e o seu humor pode ser “difícil de engolir”. Mas é um filme para todos aqueles que gostem de alimentar o seu lado negro de quando em vez. E que bem que sabe.

8/10


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

The Man Who Knew Too Much - Tiago Marques

Cinema Sem Lei: Qual é o teu filme favorito?
Tiago Marques: A clássica pergunta. Sem dúvida o Rei Leão. Foi um filme que marcou a minha infância. Tento ver pelo menos uma vez por ano e nunca falta aquela lágrima no canto do olho

CSL: São raríssimas as pessoas que respondem um filme de animação. Qual foi a cena que mais te marcou no filme?
TM: A morte de Mufasa obviamente foi a cena que relembro como o momento de cinema mais intenso que vivi na minha infância. Mas qualquer cena do filme me toca, já sei os diálogos todos de cor e como e óbvio as músicas. E como qualquer clássico da Disney e extremamente bem animado.

CSL: Muitas pessoas não têm noção do trabalho por trás de um filme de animação. A animação é considerada muitas vezes um género menor ou, pelo menos, para crianças. Imagino que não concordes com isto, mas achas que tens resposta para me dar? Ou consideras que este estigma não existe?
TM: Existe, existe. A maioria das vezes conteúdos de animação têm como target as crianças, mas não é por isso que deixam de ser grandes obra primas. O Rei Leão (juntamente com toda essa era Disney) é um grande exemplo de como um filme infantil tem tudo o que tem um filme para adultos. A narrativa do Rei Leão é até baseada no Hamlet de Shakespeare.

The Lion King (1994)

CSL: E, supostamente, um plágio de um filme japonês. Mas isso é outra conversa. Saindo da animação, qual é a tua relação com o cinema? Estudas cinema ou outra arte? 
TM: Sempre fui grande interessado em cinema. Cheguei a estar no curso de Cinema um semestre, mas acabei por mudar para Multimédia em Belas Artes, onde estou agora. Sempre vi muitos filmes e continuo com o hábito, acho que não há nada melhor que nos perdermos noutro mundo durante 2 ou 3 horas.

CSL: Vais cim regularidade ao cinema ou ficas mais pelo filme no computador?
TM: Faço os dois, tento ir semanalmente ao cinema e passo serões em frente ao computador.

CSL: O que te leva a ir ao cinema. A obrigação de ser semanal ou tens mesmo interesse em todos os filmes que vais ver?
TM: Adoro ir ao cinema, intensifica imenso a experiência que é ver um filme. Obviamente que tenho interesse em vê-los. Mas admito que já vi filmes péssimos no cinema só porque já tinha visto tudo o que era bom do cartaz.

CSL: Achas que o cinema está a morrer? Cada vez mais os realizadores estão a mudar para a televisão ou, mais concretamente, para as séries que depois são vistas em computadores.
TM: Acho que não. Acho que o cinema está mais vivo que nunca. A evolução da tecnologia está a dar uma oportunidade a qualquer pessoa de fazer um filme. E acho que a televisão (séries) está cada vez mais a ser o novo cinema - com séries como Black Mirror - e até se vêem realizadores conceituados a adorar este novo formato como David Fincher.

CSL: É exactamente por isso que estou a perguntar. Fincher e o próprio Scorsese já se viraram para as séries. A verdade é que hoje em dia se fala muito mais de uma série (Stranger Things, Game of Thrones, etc) do que de um filme. É porque as séries estão cada vez melhores ou porque o cinema está a perder público?
TM: Sim, as séries têm ganho bastante terreno. Acho que as séries estão de facto a ganhar qualidade (neste preciso momento estou a meio de Mindhunter e está a ser uma jornada no mínimo interessante), mas não acho que o cinema esteja a perder audiência, pelo menos vejo as pessoas da minha geração ainda extremamente interessadas sétima arte (posso estar enganado e ser apenas a comunidade em que estou incluído). No fundo acho que a televisão e os blockbusters continuam encher as salas de cinema, mas também é para isso que eles são feitos.
Acho que a televisão e o cinema estão cada vez mais parecidos. A grande coisa que os distingue é a narrativa ser dividida por episódios ou não.

CSL: Mindhunter, mais uma coisa com dedo de realizador de cinema. Se trabalhasses no cinema, em que área gostavas de trabalhar?
TM: Como quase todos os estudantes da área aspiro a ser realizador, mas tenho também um enorme interesse pela banda sonora.

CSL: Esse interesse pela banda sonora tem bases? Tocas ou compões?
TM: Sim, toco. O meu instrumento principal é bateria, mas toco minimamente bem piano, guitarra ou baixo e tenho, claro, as minha composições originais.

CSL: Tens algum compositor que admires particularmente? Que componha para cinema.
TM: Sim, adoro os clássicos motivos fortes do John Williams, ou dos ambientes tensos do Hans Zimmer e destaco ainda o peso dos sintetizadores de Trent Reznor.

John Williams

CSL: E se tivesses oportunidade de fazer a banda sonora para qualquer realizador à tua escolha, quem escolherias?
TM: Edgar Wright, acho que se adequaria ao tipo de música que crio.

CSL: Achas que é um realizador a seguir? Que daqui a uns anos pode ser uma referência?
TM: Acho que tem aspectos que são importantes. Já conseguiu estabelecer um estilo próprio e destacar-se ao ponto de ser adorado tanto pelo público como pelos críticos. Já é uma referência, pelo menos no que toca a comédia.

CSL: Por falar em comédias, achas que também é um género desvalorizado?
TM: Acho que tal como o terror é desprezado por ter uma maior quantidade de filmes de má qualidade.

CSL: Sugeres algum filme de terror ou comédia?
TM: Junto os dois num e aconselho o Evil Dead, que é um filme de terror e comédia. O antigo. Acho que saiu há uns anos um novo mas ainda não o vi.

CSL: Para acabar, escolhe:
- um filme que te emocionou
- um que te fez rir
- um que mudou a tua vida
- um que vale a pena rever todos os anos
TM: - La La Land
- Superbad
- American Beauty
- O Rei Leão

Tiago Marques 
20 anos
Licenciatura em Multimédia


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

The Woman Who Knew Too Much - Raquel Matos

Cinema Sem Lei: Qual é o teu filme favorito?
Raquel Matos: Pierrot le fou.

CSL: Ainda te lembras o que te levou a querer ver o filme pela primeira vez?
RM: Foi através do tumblr que descobri o filme. Já não sei precisar ao certo quais os frames/gifs que me despertaram a curiosidade, mas sei que foi através daí que descobri o Pierrot le fou e, por conseguinte, o Godard.
Portanto, aquilo que me captou à primeira vista foi o diálogo, o cenário e as personagens.

CSL: Tendo em conta que descobriste o teu filme preferido pelas redes sociais, qual a importância destas para a tua descoberta do cinema? Continuas a ver filmes porque gostas de alguma frase ou gifs?
RM: As redes sociais podem ser muito úteis no que toca a recomendações e opiniões, desde que tenhamos um certo "filtro". Posso dizer que, de facto, o tumblr e algumas páginas que sigo, foram a porta de entrada no mundo do cinema. Mas claro que a partir de um certo momento, a procura começa a estar dependente de nós. O Pierrot le fou abriu-me a porta para o trabalho do Jean-Luc Godard que, por sua vez, abriu porta para o movimento da nouvelle vague e quando damos por nós já estamos envoltos numa espiral de filmes e realizadores. Pelo que, as redes sociais podem sim ser úteis e dar-nos um certo guião do que procurar, mas claro que o nosso sentido crítico é o último critério.

Pierrot le fou (1965) - Jean-Luc Godard

CSL: Uma vez que temos falado em Godard e nouvelle vague, tens noção da importância desta época para o cinema? Interessa-te o que está para além da câmara ou ficas-te mais pelos filmes?
RM: Sei que este movimento marcou uma nova geração no cinema francês nos anos '60 e que foi um marco na transição de um cinema mais realista para aquilo que quase se pode considerar um cinema "anarquista", que não obedece a regras e que se preocupa com as personagens (a sua sensibilidade, o seu íntimo, o seu quotidiano) e na forma como isso influencia o enredo, do que propriamente numa narrativa. Foi importante também na inovação que trouxe, por exemplo: o falar com a audiência, os cortes súbitos, a paleta de cores, os títulos. Estes dois últimos, principalmente, assumem um destaque importante, devido à mensagem subliminar que pretende transmitir. O vermelho era associado a duas coisas: sangue ou à esquerda política. As frases e imagens, que subtilmente e aleatoriamente vão aparecendo no cenário do filme, traduzem-se em ideais, quer sejam políticas, quer filosóficas ou um mero expressar de uma opinião. Tudo isto acaba por contribuir para uma certa unidade e ordem naquilo que, à primeira vista, se pode considerar o caos e um cinema sem regras. Aquilo que parece não fazer sentido, faz sentido, mas primeiro é necessário descodificar, encaixar as peças do puzzle (explícitas e implícitas).
E por isso, não é exclusivamente o filme em si que conta, mas também aquilo que está para além da câmara. Um filme é uma influência disso mesmo, muitas vezes é necessário estar atento aos pequenos pormenores para as coisas fazerem sentido para nós. Uma ideia parte sempre de um certo contexto e não propriamente numa narrativa e no simples contar da sua história.

CSL: Já viste documentários sobre a época? Parece-me (e é apenas uma opinião) que nunca foram tão felizes a filmar e criar. Era um ambiente efervescente.
RM: Infelizmente documentários ainda não tive a oportunidade de ver, mas apesar disso, é notório e transparece para o público esse fascínio de se estar a explorar territórios desconhecidos (que por sua vez são arriscados, mas livres) bem como a camaradagem e a partilha de ideias entre a nova comunidade de cineastas que começava a surgir.

CSL: Tens preferência por filmes antigos ou recentes? Ou simplesmente por bons filmes?
RM: Talvez tenha uma queda por filmes mais antigos (pela sua simplicidade, profundidade e uma certa nostalgia) mas sobretudo, claro, bons filmes! E reconheço que ainda os há, desde que os saibamos procurar e não nos deixarmos levar pelos "populismos" e "facilitismos". . O Amour do Michael Haneke, o Gone Girl do David Fincher, o Interstellar do Christopher Nolan, o Moonrise Kingdom e o The Grand Budapest Hotel do Wes Anderson, são excelentes exemplos disso. E já me estava a esquecer do Her!

CSL: Algum realizador da actualidade que aprecies particularmente?
RM: O David Fincher e o Wes Anderson, talvez. Mas no que toca a filmes mais recentes tenho procurado mais pelo filme em si, do que pelos seus realizadores. Claro que há certos nomes que já tenho como uma referência pelo que, quando sai algum, já fico de olho neles.

CSL: Consideras-te mais fã de cinema europeu do que americano? E se sim, porquê?
RM: Sou mais fã do cinema europeu (francês, italiano, sueco) do que propriamente do cinema americano. Reconheço, claro, que o cinema americano abriu muitas portas e que foi fulcral na elevação do cinema à sétima arte, todavia, além de considerar o cinema americano, em parte, estagnado, também se tornou um tanto ou pouco comercial, com o seu principal foco, ao que me parece, nos filmes de acção. Isto leva a que o cinema europeu seja, em parte, ofuscado e que não lhe seja reconhecido o devido mérito. Tal pode ter como consequência a tentação de "copiar" o cinema americano, tendo em vista a mobilização do grande público e da obtenção de lucros. Uma vez li algures que: "o problema do cinema americano é não ter ideias, e que o problema do cinema francês é não ter dinheiro." É verdade que os orçamentos de filmes europeus são mais baixos o que se pode mostrar um entrave, no entanto, e a prova disso são os filmes mais antigos, quando espremido, o relevo do filme está na sua ideia, na criatividade, mensagem, direcção e organização, e nisso o cinema europeu ganha. Até podemos ter um filme muito caro, mas se este não tiver conteúdo será que podemos verdadeiramente dizer que estamos perante um filme? Não será apenas uma forma cara de entretenimento?

CSL: A frase é do Godard.
RM: É? Já não me lembrava que era dele, está tudo interligado. Só podia.

CSL: Há algum género pelo qual não tenhas particular interesse?
RM: Não aprecio filmes de terror, de comédia e musicais.

CSL: Consegues explicar porquê?
RM: Não aprecio filmes de terror porque não gosto do tipo de adrenalina que desperta em mim. Acho até um bocadinho masoquista o estar a despertar a sensação de medo para o meu suposto divertimento - isto, claro, quando mistura muito suspense. Apesar de saber, obviamente, que se trata se ficção.
Quanto aos filmes de comédia e musicais, tratam-se de géneros que, pessoalmente, não aprecio. Os musicais porque me irritam um bocadinho, sendo sincera. E a comédia, no seu puro sentido, simplesmente porque não me atrai. No entanto, gosto de filmes com um certo travo de comédia, mas de uma maneira um bocadinho mais subtil talvez.

CSL: Já viste o The Apartment (1960)? É a minha comédia preferida. Precisamente por ser muito mais do que uma comédia. Os filmes do Billy Wilder normalmente são assim
RM: Por acaso como fujo um bocadinho desse género, acaba por ser uma área que eu não exploro.

CSL: Qual foi o último filme que viste no cinema que valeu mesmo o dinheiro do bilhete?
RM: O último filme que vi no cinema foi o Mother! E apesar de fugir um bocadinho do meu estilo, e de ter sido bastante criticado, confesso que achei o filme muito bem feito e aberto a diversas interpretações. É um filme que prende o espectador ao ecrã e ao desenrolar da história visto que se trata, maioritariamente, de um filme de suspense/mistério.

Mother! (2017) - Darren Aronofsky

CSL: O que te levou a escolher esse filme? Realizador, actores, critica?
RM: Foi um conjunto de ambos os critérios. O realizador - Aronofsky - realizador também do Black Swan. O elenco com a Jennifer Lawrence. E uma breve revista às críticas feitas. Em termos de comparação com os restantes que se encontravam em exibição, este foi o que mais (para não dizer o único) me cativou.

CSL: Para terminar:
- um filme que te emocionou;
- um que te fez rir;
- um que mudou a tua vida;
- um que vale a pena rever todos os anos;
RM: - Um filme que me emocionou foi, sem dúvida, o Autumn Sonata do Ingmar Bergman;
- Um que me fez rir: Une femme est une femme do Godard;
- Um que mudou a minha vida (e fazendo jus ao que foi dito): o Pierrot le fou;
- Um para rever todos os anos: o Her do Spike Jonze

Raquel Matos
21 anos
Último ano do curso de Direito



sábado, 11 de novembro de 2017

Cinema Paraíso: Luís Neiva - Rosemary's Baby (1968)

Rosemary’s Baby

País: EUA
Ano: 1968
Realizador: Roman Polanski
Argumento: Roman Polanski (a partir do romance de Ira Levin)
Elenco: Mia Farrow, John Cassavetes, Ruth Gordon, Sydney Blackmer

Um jovem casal muda-se para um apartamento no centro de Nova Iorque: Guy (Cassavetes) – um ambicioso actor à espera do papel certo que o levará ao estrelato – e Rosemary (Farrow), uma frágil, mas optimista, jovem completamente apaixonada pelo marido e com quem sonha ter um filho. O destino sorri-lhes: rapidamente se tornam amigos de um idoso casal de vizinhos (Gordon e Blackmer), que apesar de metediços se revelam extremamente prestáveis. Guy consegue finalmente a tão desejada oportunidade e Rosemary descobre que está grávida. Contudo, a gravidez acaba por trazer complicações inesperadas e Rosemary começa a recear uma conspiração com contornos sobrenaturais que pode colocar em risco a vida do seu bebé.

Rosemary’s Baby é, sem dúvida alguma, um dos mais influentes filmes de terror da história e, ao mesmo tempo, um exemplar muito especial dentro do género por serem practicamente inexistentes os momentos de gore ou os tão característicos jumpscares. No entanto, isto não lhe retira qualquer impacto graças a uma majestosa realização de Roman Polanski, que é capaz de criar uma atmosfera extremamente envolvente e, acima de tudo, repleta de ambiguidade.

Esta atmosfera é instalada desde o primeiro momento do filme, durante o genérico, na melodia sombria, mas algo familiar, entoada por Mia Farrow. A natureza desta melodia não é clara, mas o facto de ser recuperada em alguns momentos-chave do filme, como quando Rosemary descobre que está grávida ou quando sente o primeiro movimento do bebé, sugere-nos que a função deste motivo é mais do que simplesmente introduzir o espírito do filme. De facto, na última cena torna-se claro que a tão misteriosa melodia é, na realidade, uma canção de embalar, símbolo de comunhão entre a personagem principal e as forças que inevitavelmente vencem a batalha.

Polanski toma algumas decisões curiosas no que à construção das personagens diz respeito: durante a primeira secção do filme as personagens são desenvolvidas até à exaustão, o que lhes confere uma empatia bastante forte crucial no clímax final. Passamos a simpatizar com Rosemary, uma protagonista atipicamente débil, que se refugia no vanguardista corte de cabelo pixie como tentativa desesperada de assumir uma aparência forte e independente, mas que apenas acaba por tornar mais óbvia a sua fragilidade. Tal ligação é reforçada pelo facto de o enredo se revelar aos nossos olhos ao mesmo tempo que aos da jovem – até à cena final nunca é verdadeiramente claro o quão real é todo o lado místico do filme e facilmente damos por nós a pôr em causa tudo aquilo que nos parece lógico.

Importante também referir o espaço, que em Rosemary’s Baby assume uma autêntica qualidade de personagem. Sendo este o segundo filme da chamada “Trilogia do Apartamento” – série de filmes realizados por Polanski maioritariamente filmados no interior de uma casa – a atmosfera visual e sonora da habitação é, em si mesma, um prolongamento da já falada ambiguidade construída pelo realizador polaco. O apartamento, apesar de contar com um passado algo sinistro, é transformado por Rosemary num iluminado e agradável lar. Contudo, à serenidade proporcionada pela decoração do espaço é contraposta a inquietante sensação de que algo ou alguém nos está constantemente a observar – a sufocante presença dos vizinhos, o ansioso tic-tac do relógio em muitas cenas e o recorrente som de um piano vindo de um apartamento próximo são elementos que contribuem para que um sentimento de claustrofobia tome conta da cena.

Uma breve referência para o magnífico trabalho de representação de todo o elenco, com especial menção para Ruth Gordon, justa vencedora do Óscar de Melhor Actriz Secundária por tão inspirada performance.


Por tudo isto, não é surpresa que clássicos como The Exorcist ou a trilogia The Omen tenham na sua génese esta obra prima de Polanski. Ainda assim, a originalidade do realizador polaco confere a Rosemary’s Baby uma intemporalidade a que poucos filmes de terror podem aspirar.

8/10


quarta-feira, 8 de novembro de 2017

The Man Who Knew Too Much - Luís Neiva

Cinema Sem Lei: Qual é o teu filme favorito?
Luís Neiva: Muda todos os dias! Mas o que mais me marcou foi o Pulp Fiction, e é aquele que mais vezes revisito, quando quero ver algo bom.

CSL: O que é melhor nesse filme? Banda sonora, actores, diálogos, plot?
LN: No filme em si, os diálogos, provavelmente. Mas é difícil dizer quando tudo na realização está tão bem feito. Adoro a maneira como o Tarantino escreve e como baseia todo o filme a partir do guião. O resto funciona quase sozinho (se os actores forem bons, é claro).
Por outro lado, respeito imenso o impacto que teve no mercado cinematográfico americano. Fazer um filme independente naquela altura em que os estúdios sugavam tanta criatividade requer um tipo muito especial de talento.

CSL: E de personalidade. Achas que a ligação com o caso do Weinstein pode prejudicar a carreira dele?
LN: Não diria. Hollywood tem memória muito curta.

CSL: Woody Allen está agora a fazer um filme controverso tendo em conta o momento e, principalmente, a história dele. Por falar no Allen, comédias dizem-te alguma coisa?
LN: Sim. Mas tenho uma preferência clara para as "clássicas", desde os filmes do Chaplin e do Keaton até à slapstick das décadas de 50 e 60.

CSL: Bom tema: Chaplin vs. Keaton. Em última análise, qual escolherias?
LN: A pergunta do milhão de dólares... Adoro coisas diferentes em ambos. O Keaton tem um tipo de humor mais físico, mais corajoso até. O Chaplin joga mais com as emoções humanas e com uma crítica social que eu considero simplesmente brilhante. Penso que talvez me decidisse pelo Chaplin.

Charlie Chaplin em City Lights (1931)

CSL: Eu ia para o Keaton. As coisas que ele fazia deixam-me de boca aberta. A cena do comboio a cair no rio é fantástica
Já que estamos numa de "batalhas", De Niro vs. Al Pacino. Tens resposta?
LN: Sim! O Keaton revolucionou imenso o aspecto técnico do cinema!
Estava na dúvida até ter visto o Dog Day Afternoon. A partir desse momento, o Al Pacino "ganhou-me". São dois gigantescos actores, embora me entristeça um bocado quase não ver o De Niro em grandes filmes actualmente.

CSL: Vem aí um com o Scorsese. Se me entusiasma ver o De Niro, Joe Pesci e Scorsese juntos, também tenho receio que vá cair quase numa paródia dos seus tempos áureos.
LN: Sim... Ultimamente a moda é fazer remakes e sequelas fora de tempo com qualidade, muitas vezes, duvidosa. Temo que esse filme siga essa onda. Mas se o Scorsese está à frente do projecto, acredito que seja capaz de evitar isso. O talento está lá, nenhum deles se esqueceu de representar.

CSL: Qual é, na tua opinião, a década dourada do cinema?
LN: Sem sombra de dúvida, as décadas de 40 e 50. Pelo menos em Hollywood.

CSL: Consegues aconselhar dois ou três filmes que valem a pena ver dessa época?
LN: Acho que o Citizen Kane e o Vertigo são obrigatórios por marcarem, na minha opinião, o início e o fim de uma era. Ainda há o Sunset Blvd. que é o meu noir preferido e embora seja já de 1961, o Judgment at Nuremberg que é um dos filmes da minha vida.

CSL: O que tem para considerares um dos filmes da tua vida?
LN: Pergunta difícil. Acho que há filmes que marcam, e isto é especialmente verdade quando se vêem muitos grandes filmes. Depois de ver centenas de obras primas seguidas quando vem um filme que se eleva acima de todos os outros e que cria em mim uma resposta emocional tão forte (como é o caso do Judgement at Nuremberg), é sinal que estou na presença de algo realmente especial.

CSL: Qual é o teu objectivo quando vês um filme?
LN: Gosto de ser surpreendido. Tento saber sempre o mínimo sobre cada filme que vejo, não vejo trailers, não leio sinopses. Óbvio que se aprende sempre alguma coisa com tudo o que se vê, se tiver qualidade, mas não é algo que procure activamente, simplesmente acontece.

CSL: De onde surgiu o teu interesse pelo cinema?
LN: Sempre gostei imenso de cinema, mas acho que me tornei cinéfilo no dia em que vi a Laranja Mecânica. O tipo de resposta emocional (e até física) que o filme me provocou, criou em mim uma obsessão de procurar mais vezes aquela sensação. É mesmo um vício. Mas dos bons!

A Clockwork Orange (1971) - Stanley Kubrick

CSL: Se tivesses oportunidade de trabalhar em cinema, em que área gostavas de trabalhar?
LN: Na realização. É o que mais valorizo em todos os filmes que vejo. Se fosse fora do processo de criação, por assim dizer, tenho um certo fascínio pela crítica cinematográfica.

CSL: Já apostaste na crítica? Escreves para algum lado?
LN: Tenho algumas críticas escritas mas nunca publiquei em lado nenhum. Faço parte de um fórum de cinéfilos em que a maioria dos membros é dos Estados Unidos e partilhamos muitas vezes as críticas que escrevemos uns com os outros, e eles são as únicas pessoas que já as leram.

CSL: A tua formação é musical, certo?
LN: Sim, sou licenciado em Canto e estou agora a concluir um Mestrado.

CSL: Qual é a importância da música num filme?
LN: É imensa. A principal característica que difere a música das outras formas artísticas é a sua propriedade de imediaticidade. A imagem tem de ser sempre interpretada antes de criar uma resposta emocional enquanto a música salta esse passo à frente. Tem a capacidade de potenciar ou anular tudo o que se passa no ecrã e muitas vezes criar efeitos opostos àquilo que percepcionamos visualmente. Lembro me sempre da cena do Stuck in the Middle With You do Reservoir Dogs.

CSL: Segunda referência ao Tarantino. É o teu realizador favorito?
LN: Não. Adoro tudo o que ele fez até ao Kill Bill 2, depois disso foi um.bocado hit and miss. O meu realizador favorito é o Kubrick.

CSL: 2001? É o que tem sido mais mencionado nestas conversas que estou a ter.
LN: Acho que a partir do momento em que ele se muda para Inglaterra em 1960, tudo aquilo que fez é ouro. O 2001 é sem dúvida incontornável e um dos meus filmes preferidos mas é difícil eleger um favorito. Talvez o Barry Lyndon ou a Laranja.

CSL: E da nova geração, algum realizador/a te chama a atenção?
LN: Não sei se se podem chamar nova geração, mas gosto muito do Aronofsky e do Almodóvar. E há um realizador de que falo sempre por ser quase desconhecido do público português e de quem gosto imenso que é o José Vieira. Um emigrante português em França, que faz documentários, muitos deles sobre a temática da emigração.

CSL: Tens sugestões de documentários? Não necessariamente do José Vieira.
LN: Do J. Vieira há um filme que eu adoro que é o Souvenirs d'un Futur Radieux. Também recomendo o Nuit et Brouillard, Die Macht der Bilder: Leni Riefenstahl, Olympia, Exit Through the Gift Shop, Baraka, Dear Zachary: A Letter to a Son About his Father.

CSL: Para terminar:
- um filme que te emocionou;
- um que te fez rir;
- um que mudou a tua vida;
- um que vale a pena rever todos os anos;
LN: - All Quiet on the Western Front
- Bringing Up Baby
- Naked
- C'era una Volta il West

Luís Neiva
26 anos
Mestrado em Música (canto)



sexta-feira, 3 de novembro de 2017

The Woman Who Knew Too Much - Inês André

Cinema Sem Lei: Qual é o teu filme favorito?
Inês André: Muito complicado... Acho o reportório do Miyazaki completamente imaculado, e por isso todos os filmes dele para mim, como o Howl's Moving Castle, Spirited Away, Totoro ou a Princesa Mononoke são obras-primas. Fora da animação, filmes como Little Miss Sunshine, Oldboy (original), Buffalo '66 ou o 2001 são grandes obras de arte também! Mas consigo estar aqui até amanhã a dizer-te mais filmes que são autênticos monstros cinematográficos. Sinto que estou a deixar muitos de fora.

CSL: O que te liga ao cinema? De onde surgiu esse interesse?
IA: Sempre esteve muito presente em minha casa, desde pequena que ver filmes em VHS era das minhas coisas preferidas (ainda é). Mas é curioso porque a minha irmã mais velha sempre gostou muito de cinema independente, e inicialmente eu era um bocado alérgica e gozava com essa faceta mais intelectual tipo "esses filmes são uma seca, não se passa nada" mas depois ela foi me mostrando alguns e mudei completamente de opinião. Aprendi a gostar e a apreciar e isso fez com que eu própria me "educasse" cada vez mais a esse respeito. Hoje sou uma verdadeira aficionada.
O que me liga ao cinema... Sou uma pessoa sensível, no sentido em que gosto de pensar e reflectir sobre a vida, constantemente. E o cinema não só me ajuda a chegar a algumas conclusões, como também me dá nova matéria para processar. Sinto-me compreendida quando vejo um filme que me deixa arrepiada. É uma ligação muito humana.

CSL: Lembras-te de algum filme que tenha ficado marcado? Desses da tua irmã.
IA: Sim! Um deles foi o Little Miss Sunshine. Vi uma vez e achei brilhantemente simples. Acho que é na simplicidade que encontramos a plenitude. Passou a ser daqueles filmes que por mais vezes que veja, e já vi e revi muitas vezes, aprendo sempre e nunca me farto. Acho que isso pode ser dos melhores elogios que podes fazer a um filme.

Little Miss Sunchine (2006) - Jonathan Dayton, Valerie Faris

CSL: Quando estudamos cultura e arte, o cinema tem um capítulo muito pequeno (às vezes nulo). Numa arte que tem mais de cem anos - mesmo sendo a mais jovem - não devia ser já uma fonte de ensino e conhecimento e não um ponto no meio do oceano?
IA: Sim, devia. Posso dar o exemplo que no secundário, nas minhas aulas de Filosofia, visualizamos muitas vezes filmes para ajudar a perceber pontos da matéria. Acho que devia haver mais exemplos como este, porque também ajudam ao teu crescimento intelectual. Mas é difícil, porque implica uma mudança de mentalidade. A maioria das pessoas não se interessa por cinema, interessa-se por entretenimento. Lembro-me de na faculdade um professor que eu tinha, que era um autêntico cinéfilo, passar o excerto das Valquírias do Apocalypse Now a título exemplificativo de alguma coisa e as reacções da turma eram "mas eu pago propinas para ver aviõezinhos?".  Cada um gosta do que gosta, mas há muito mais pré-disposição para encarar os filmes e procurar por filmes para passar tempo do que para encará-los como peças de arte, como instrução... É preciso sensibilidade, e não há muita. Mas talvez se a aprendizagem começasse cedo, as coisas poderiam ser diferentes.

CSL: Então consideras que a maioria vê os filmes para "desligar" o cérebro e não como fonte de informação?
IA: Sim, completamente. O que não quer dizer que não veja filmes para passar tempo e que não puxem tanto pela cabeça. Há muitos bons filmes que eu adoro desse género. Não sou nenhuma intelectualóide. Mas é óbvio que as pessoas preferem o fácil e simples, estão a ser habituadas a isso... Se tu fores hoje a um cinema mais popular reparas que 90 ou 70% são remakes, prequelas ou sequelas... É dinheiro fácil e não tens muito trabalho em ter ideias novas. É só reciclar com ou sem propósito. Ate nisto vês o estado do cinema. Entretenimento está na ordem do dia, acima de qualquer valor. O que se passa hoje é exactamente aquilo que o Vargas Llosa diz no A Civilização do Espectáculo. Ócio acima de tudo em detrimento de qualquer coisa que te faça pensar minimamente.

CSL: Pegando nos remakes. Porque se fazem? Consideras que os realizadores e produtores acreditam mesmo que vão conseguir fazer melhor ou simplesmente querem aproveitar o sucesso do original?
IA: Regra geral acho que a resposta é dinheiro fácil. Eu irrito-me facilmente com esta moda do remake e sequela, primeiro porque na maioria das vezes não fazem sentido e mexem numa história que estava bem acabada. Porquê um Trainspotting 2? Já para não falar do absurdo que é um Fight Club 2. É frustrante. 
Descobriram a galinha dos ovos d'ouro, o pessoal gosta da nostalgia, e faça ou não sentido é sempre giro rever. Já chego a acreditar que para além do dinheiro haja uma crise de criatividade... Será que não há ideias novas ou é preguiça de as ter? Irrita-me também porque sinto que muitas vezes estes remakes vêm desvalorizar o culto que havia em volta de alguns filmes. Eu adoro animação japonesa e sinto-me ofendida pelo que fizeram ao Ghost in the Shell ou ao Death Note. Não os vi (os novos), mas não fazia sentido. Para quê? Só se for para arruinar.
Mas há aqueles que conseguem fazer um bom trabalho. O Villeneuve acertou em cheio no novo Blade Runner. Mas esse considero um caso à parte. Deixa sempre aquela sensação do objectivo de fazer dinheiro fácil. Prefiro ideias novas!

CSL: Dizem que as histórias já foram todas contadas, só muda a maneira de as contar. Concordas?
IA: Nada. Se há coisa que não estagna são as ideias. Por alguma razão é que nesta onda de inteligência artificial a única coisa que fica ainda inconcebível é a criatividade! 
Tens sempre influências de realizadores para realizadores. Nos anos 70 e 80 estavas a fazer coisas nunca antes feitas, Kubrick é um génio por isso. Teve sorte em vir cedo. Agora tens realizadores que aproveitam a escola dele, mas incorporam em novas ideias. Acho natural. Na altura do Revenant estavam a insinuar que o Iñarritu tinha ido buscar a técnica toda ao Tarkovsky. E o que tem? Acho que é uma grande maneira de agradecer e prestar respeito. A ideia não era a mesma. O Wes Anderson também não é o génio por detrás dos planos simétricos, já existiram muitos a fazer antes dele. Mas criou com elementos muitos específicos um estilo próprio a partir daí.
As histórias são infinitas, pela conteúdo e pela forma como são contadas. É preciso é ter vontade de as criar e levá-las a sério. Até acho mais que a maneira de as contar é que pode ser repetitiva, mas nunca o conteúdo. As técnicas ou planos repetem-se. E faz sentido que assim seja.

CSL: Se tivesses oportunidade de trabalhar para o cinema, em que área gostavas de trabalhar?
IA: Animação, escrever histórias. E se um dia dominar o desenho também gostava de entrar nessa parte. Mas quero muito trabalhar em animação, mesmo não sendo da área de cinema...

CSL: Um estágio no estúdio Ghibli seria o sonho?
IA: Completamente. Não queria mais nada. Não me importava de trabalhar num estúdio de animação qualquer, mas claro que a Ghibli é o expoente máximo dessa vontade.



CSL: Miyazaki e Joe Hisaishi são uma dupla de sucesso. Que outras duplas do cinema gostas?
IA: Morricone com o Leone... Tarantino com o Rodriguez também fazem coisas engraçadas. Os irmãos Nolan também trabalham bem. Não me estou a lembrar de outros. Mas de certeza que há outras boas amizades. A velha guarda italiana também se ajudava uns aos outros. E fazia coisas muito giras.

CSL: Sugeres algum filme italiano da velha guarda?
IA: Confesso que ainda não vi tantos quanto gostava. Mas o Fellini Oito e Meio é grande filme. E claro os obrigatórios: Cinema Paraíso e A Vida é Bela. Gostava que o próximo a ver fosse o Ladrões de Bicicletas. O Feios Porcos e Maus também é muito bom. É sempre difícil escolher um.

CSL: Sugiro também o Umberto D.. Há algum género que não gostes particularmente?
IA: Obrigada! Fica na watchlist. Acho que não. Não tenho nenhuma alergia aos géneros, gostar ou não vai sempre depender do filme em si. Tanto gosto de um bom filme de animação, como bons filmes de drama ou gore... Mas não gosto de filmes do Adam Sandler, do Ben Stiller ou do James Franco

CSL: Para finalizar, escolhe:
- um filme que te emocionou;
- um que te fez rir;
- um que mudou a tua vida;
- um que vale a pena rever todos os anos;
IA: - The Kingdom of Dreams and Madness
- Borat
- Blue Velvet
- Senhor dos Anéis

Inês André
23 anos
A tirar mestrado em Publicidade e Marketing





quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Review: Young Frankenstein (1974)

Young Frankenstein (1974)

Top 10 no que toca a comédias. Não sei quais serão exactamente (Billy Wilder está bem no topo), mas Young Frankenstein tem a genialidade de ser muito mais do que isso. É um mini Frankenstein (1931) com apontamentos (muito bons) de comédia. Ao contrário de Blazing Saddles, onde percebemos que estamos a ver um filme cujo objectivo é rir do início ao fim, os primeiros quatro/cinco minutos são tão bem escritos, realizados e produzidos (usaram partes do cenário de Frankenstein) que nos esquecemos completamente que estamos a ver uma película de Mel Brooks. E não é só o início. Durante todo o filme temos pequenos momentos de tensão que nos transportam para o thriller que este filme não é. Tudo isto funciona ainda melhor quando a habitual cameo appearance de Brooks não existe. A eventual cameo de uma figura que associamos logo ao humor iria desvirtuar tudo o que tinha sido alcançado até ali.
Gene Wilder é magnânimo, Madeline Kahn esplêndida, mas Marty Feldman é a cereja no topo do bolo. Basta um olhar (e que olhar característico o dele) para ganhar a cena. Já pelo lado negativo o destaque vai para Peter Boyle, o Monstro. Para um filme que parece querer imitar quase na perfeição o de 1931, este Monstro está longe do protagonizado por Boris Karloff. Não tem presença, a caracterização também não é sublime (ao contrário dos cenários). É quase risível. Característica apropriada para comédias, não fosse tudo o resto querer parecer sério.
Recomendo. E, no que toca a comédias, poucas vezes direi isto.

8/10
R.D.


Review: The Invisible Man (1933)

The Invisible Man (1933)

Baseado no livro de H. G. Wells, o filme de 1933, realizado por James Whale, faz parte dos monstros  clássicos da Universal. Whale foi o realizador de Frankenstein (1931) e ainda viria a realizar The Bride of Frankenstein (1935), mas The Invisible Man faz jus a estes? A resposta, para mim, é... Nem por isso. O filme retrata a loucura e o abuso de poder. Sem crescendo. São praticamente setenta minutos que se atropelam. Não há tempo para estabelecer empatia com as personagens, tudo parece exagerado e precipitado. O potencial está lá todo, só não foi bem aproveitado (diz um gajo qualquer sentado em frente a um computador).  É verdade que não li o livro e talvez a narrativa seja mesmo assim, mas por alguma razão o filme é baseado e não copiado. Certas cenas precisavam de tempo para respirar.
Nem tudo é mau, aliás, os efeitos especiais são sublimes. Sem "para a época". É o primeiro filme de Claude Rains nos Estados Unidos (teria uma carreira de sucesso com Mr. Smith Goes to Washington (1939), Casablanca (1942), Notorious (1946) ou ainda Lawrence of Arabia (1962). Henry Travers, o famoso anjo de It's a Wonderful Life (1946) também dá a sua perninha e Gloria Stuart, a Rose idosa de Titanic (1997) também marca presença.
Resumidamente, é um filme que já leva umas três ou quatro sequelas e provavelmente algum remake. Esqueçam tudo o que disse, o mais provável é que não perceba nada disto.

6/10
R.D.


O novo filme de Tarantino está previsto para 2019

O primeiro filme de Tarantino sem Harvey Weinstein já tem guião. Ainda sem confirmações, os nomes de Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Jennifer Lawrence, Margot Robbie e o recorrente Samuel L. Jackson estão em cima da mesa para o filme que se baseará na família Manson.
Ainda sem produtora, é previsto que o filme seja rodado em 2018 com estreia marcada para 2019.