sexta-feira, 18 de maio de 2018

The Woman Who Knew Too Much - Ana Filipa Ventura

Cinema Sem Lei: Começando com a clássica: qual é o teu filme favorito?
Ana Filipa Ventura: O meu filme favorito é Persona, de Ingmar Bergman. Sempre que penso nisso vêm-me à cabeça muitos outros, mas acabo sempre por dar destaque a este. É inevitável, teve muita importância para mim.

CSL: Como descobriste esse filme?
AFV: Foi quase uma coincidência. Nunca tinha ouvido falar de Bergman até que vi por acaso Sonata de Outono na RTP2 e adorei. Persona conheci uns meses depois, quando liguei a televisão e esse filme ia começar, também na RTP2. Reparei que o realizador era o mesmo e comecei a ver. Esse filme era diferente de tudo a que eu já tinha assistido e abriu-me muitas portas, acho que foi aí que a minha viagem pelo cinema começou.

Persona (1966)

CSL: Foste à procura de mais filmes do Bergman depois isto Ou vais vendo conforme te aparece?
AFV: Sim, sem dúvida que fui! Já vi cerca de 20 filmes dele e é o realizador que mais admiro! Agrada-me sobretudo pela subtileza e sensibilidade. Gosto da forma como pensa cada diálogo, como capta cada gesto, como cria jogos de luz e sombra. Fez-me descobrir o lado do cinema que eu mais gosto.

CSL: Graças a ele, ficaste mais fã de cinema europeu em relação ao americano? Ou não fazes essa distinção?
AFV: Acho que é impossível negar a qualidade de algum do cinema americano. Há realizadores americanos pelos quais tenho um grande respeito, como o Scorsese ou o Aronofsky, mas sem dúvida que aprecio mais cinema europeu. Penso que tende a ser mais reflexivo, mais filosófico. Na base da minha preferência está sobretudo isso, a introspecção acompanhada com a irreverência. Acho que é a fórmula mágica.
Por outro lado, este cinema tende a explorar mais o absurdo, a captar as nossas paranóias e a decompo-las no ecrã à nossa frente.

CSL: Então, para além do Persona e do Bergman, que realizadores ou filmes europeus gostas?
AFV: Gosto bastante de nomes como Lars Von Trier, Hitchcock, João César Monteiro e Jean-Luc Godard. Depois há outros que comecei a explorar mais recentemente, como Murnau, Fritz Lang, Almodóvar e Fellini.
Isto acaba por ser uma bola de neve porque um acaba sempre por me levar ao seguinte e esse a outro. Acho que já deu para perceber que o meu critério de selecção passa muito pelo realizador e pelas influências que ele teve. É assim que descubro coisas novas 90% das vezes. Valorizo muito o papel do realizador.

CSL: Deixo-te uma sugestão: Carl Theodor Dreyer. Foi uma grande influência para o Bergman e para o Lars.
Também é curioso que alguns dos nomes que falaste são conhecidos por defenderem as personagens femininas e por não as usarem apenas como personagens secundárias (Bergman, Godard, Almodóvar, Lars...). Já te tinhas apercebido disso? Achas que isso pode ter alguma influência (mesmo que inconsciente) para gostares dos filmes deles?
AFV: Apercebi-me disso muito recentemente e sim, acho que teve influência. A maioria dos filmes a que assisti na infância tinham como personagens principais homens e por isso, de certo modo, eu estava habituada a essa ideia. Quando me deparei com a mulher forte mas atormentada de Bergman ou com a mulher delicada mas de personalidade vincada de Godard isso causou-me um certo fascínio. Por isso não sei, pode ter sido esse elemento de "novidade" ou talvez porque é mais fácil eu criar empatia com a personagem porque há maior proximidade.

Aliás, muitas das cenas mais marcantes que eu vi foram protagonizadas por mulheres. Desde a dança da Nana em Vivre Sa Vie até ao discurso da Eva em Sonata de Outono.

CSL: Recentemente o Cumberbatch disse que não voltará a participar num filme onde a actriz receba menos do que ele (se ambos tiverem papéis relevantes). Achas que estamos realmente a lutar para a igualdade ou é apenas uma fase e que tudo voltará ao que era?

AFV: Quero acreditar que não é só uma fase, apesar de muitas vezes estes movimentos começarem com grande ímpeto e terminarem tão rápido como começaram e sem trazer qualquer mudança relevante. Se há muito para fazer ainda? Há. Se já muito foi feito? Considero que foi.
Acho que é já mau o suficiente ter de haver esta discussão, devia ser algo de intuitivo. É uma questão de bom senso. Duas pessoas que desempenham um trabalho semelhante devem ter uma remuneração semelhante. Dá-me alguma esperança ver atitudes como a do Cumberbatch mas é um sentimento agridoce na medida em que nada disto devia ser necessário mas já que o é, é reconfortante ouvir estas vozes masculinas. Fazem desta luta uma luta unicamente de mulheres mas uma luta mas geral, pela dignidade humana e valorização da arte, que se devia afastar de qualquer tipo de preconceito.

CSL: Nesta última edição dos Oscars falou-se na possibilidade de criar um outro prémio: o de melhor realizadora. Achas que essa distinção devia existir?
AFV: Nunca pensei a sério sobre isso, mas acho que talvez fosse uma boa forma de dar a conhecer ao público algumas realizadoras que, embora tenham trabalhos magníficos, são ainda pouco conhecidas. Por outro lado, pode também ser prejudicial, já que é um factor que acentua esta diferenciação entre homens e mulheres e, infelizmente, já temos bastantes. A verdade é que apesar do prémio tal como existe tecnicamente não excluir mulheres, há muito poucas a ganha-lo porque esse ramo começou a ser explorado por mulheres muito mais recentemente. Mais uma vez, num mundo ideal a criação deste prémio não seria necessária mas já que é, nada tenho a opor.

CSL: E as personagens femininas da actualidade? Sentes-te bem representada ou notas claramente quando são escritas e/ou realizadas por homens ou mulheres?
AFV: Nunca me aconteceu notar isso de forma clara. Geralmente quando escolho um filme para ver vou muito pelo realizador. Mas acho que mesmo que não soubesse quem realiza não iria reparar. 
Quando vi Lost in Translation, não sabia que tinha sido a Sofia Coppola a realizar. Gostei do filme porque trazia uma visão diferente das relações humanas, do estar só mesmo estando acompanhado, mas não me admirava que tivesse sido um homem a realiza-lo!
Mas é um exercício interessante, nunca tinha pensado nisso.

CSL: Antes de começarmos esta conversa disseste que começaste a gostar e a explorar o cinema há relativamente pouco tempo. Qual é o próximo passo?
AFV: Gostava de ir às origens do surrealismo, explorar realizadores como Buñuel. Adoro o absurdo e para mim o mais importante num filme é a sensação de estranheza que ele cria em mim. Acordar no dia seguinte e sentir que ficou algo ali por digerir é essencial. Por outro lado também gostava de seguir mais de perto o cinema italiano.

CSL: Neo-realismo italiano? Rosselini, De Sica? Ou o que vem depois, do Fellini?
AFV: Interessa-me mais o que vem depois, Fellini, Antonioni... Mas já tenho alguns filmes do Rosselini e do Visconti guardados à espera!
De facto isto é uma bola de neve, quanto mais descubro mais nomes surgem, mais quero descobrir.

Federico Fellini

CSL: Tens quem te acompanhe nestas experiências cinematográficas ou até é algo que preferes fazer sozinha?
AFV: Não é que prefira fazer sozinha, mas não conheço muita gente que aprecie seriamente cinema e que já tenha passado por esta fase. Mesmo as pessoas que conheço e que têm bastante interesse em cinema procuram géneros e realizadores muito diferentes daqueles que eu procuro. Por isso geralmente avanço sozinha.

CSL: Então as idas ao cinema são um problema, não?
AFV: Grande parte da vezes vou sozinha. Já me aconteceu pedir insistentemente a pessoas para irem comigo e ficar revoltada com a falta de atenção (e excesso de sono) que algumas revelaram. Por isso jogo pelo seguro e vou sozinha!

CSL: Na zona onde vives, existe algum cineclube ou algo do género que te ofereça o tipo de filmes que procuras?
AFV: Eu frequento o curso de direito, na FDUP, sendo que na faculdade existe um cineclube. Aconselho vivamente! Geralmente as escolhas são boas e por isso costuma ser o sítio fora de casa onde vejo filmes mais frequentemente.

CSL: Existe algum tipo de debate depois de verem os filmes? E se não, achas que devia existir?
AFV: A ideia inicial era essa e chegou a haver alguns debates mas depois isso acabou por falta de adesão. Geralmente as pessoas viam o filme e iam embora. Acho importante essa componente do debate, não há muitas oportunidades para discutir arte num ambiente desses. As discussões em torno de obras artísticas por vezes tendem a ser desvalorizadas, talvez porque estamos no campo do subjectivo e se considere essa parte dispensável. 

CSL: Para terminar:
- um filme que te emocionou;
- um que te fez rir;
- um que mudou a tua vida;
- um que vale a pena rever todos os anos;
AFV: - Vivre sa vie
- Vedo Nudo
- Wild Strawberries
-  Melancholia

Ana Filipa Ventura
21 anos
Licenciatura em Direito



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